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Entre as figuras notáveis da História do Piauí, nenhuma teve maior participação na vida cultural e política do país do que Antônio Coelho Rodrigues. Sua glória abrange largo período do Império e penetra na República, estando ligada, como nenhuma outra, à obra de codificação civil brasileira.
Em 1862, com apenas 16 anos de idade, Coelho Rodrigues ingressa na Faculdade de Direito de Recife. Nascera em 04 de abril de 1846, no lugar Boqueirão, pertencente então ao município de Oeiras e depois ao de picos, no Estado do Piauí, sendo seus pais Manoel Rodrigues Coelho a Ana Joaquina de Sousa.
Aquele fato - seu ingresso muito jovem na Faculdade - reveste-se ainda de maior singularidade e significação se considerarmos que até aos 14 anos vivera no interior de sua província natal, na fazenda Boqueirão, onde nasceu, e na fazenda Paulistana, onde estudou.
Narra o padre Joaquim Chaves, em breve estudo que lhe dedicou: “morrendo-lhe o pai, sua mãe mandou-o para a escola do padre Joaquim Damasceno Rodrigues, seu primo, que funcionava numa fazenda que pertencia a seu trisavô e que é hoje a cidade de Paulistana. Ali estudou português, aritmética, francês e latim até o ano de 1859”.
Assim afastado tão cedo do aconchego familiar, longe dos cuidados e do carinho materno, a maior parte de sua infância transcorreu em ambiente estranho, fora do lar, o que o levou ao isolamento de si mesmo e concorreu para debilitar-se a saúde. Da precariedade de suas condições físicas queixava-se, anos depois já em Pernambuco, dizendo então que a saúde lhe vinha sendo escassa há mais de vinte anos.
Naquele ano de 1859 o padre Damasceno dava por concluída a sua tarefa em relação ao curso que poderia ministrar ao jovem estudante. Daí por diante seria repetir lições, repassar os mesmos textos sem se falar na fluência negativa que sobre ele poderia exercer o meio rústico e acanhado em que se formava.
Veio então o conselho à mãe para mandá-lo à cidade de Recife, onde deveria fazer os preparatórios. Foi assim que em 1860, já que se encontrava naquela cidade.
Pouco se sabe desse período na vida de Coelho Rodrigues,l pois ele não faz qualquer referência como, de resto, aos demais períodos de sua vida de professor, jurisconsulto e político. Escassas, muito escassas, as informações a seu respeito, e o que se pode adiantar sobre o desenrolar de suas atividades naquele meio tão diferente do que deixara pra trás, não passa de conjecturas.
Com a formação que teve e já portador do titulo de Bacharel em Direito, conquistado em 1866, seu pensamento voltou-se para a sua terra natal, atraído então pela mosca azul da política, que no seu Estado, como nos demais, era o primeiro degrau para a projeção social e para a participação na vida pública.
Regressa ao Piauí em 1867 e, nesse mesmo ano, já estava filiado ao Partido Conservador, cujo programa era o que mais se ajustava aos seus compromissos monarquistas, embora manifestasse tendências republicanas.
Vieram-lhe, então, duas decepções , como resultado das posições firmes e, às vezes, precipitadas, que assumia nos primeiros embates políticos: a disputa de uma cadeira na Assembléia Provincial, em que foi preterido numa articulação política chocante; e sua frustrada pretensão de professor de filosofia no Liceu Piauiense, cadeira criada pela reforma do ensino então introduzida.
Em face desse e de outros incidentes, toma a decisão de voltar a Recife com o propósito de ingressar no magistério da Faculdade de onde saíra há dois anos. E com esse objetivo, viaja em julho de 1868. Acontece, porém, que, antes de chegar lá, é surpreendido com a vitória do partido a que se filiara no Piauí, o Partido Conservador. Achou então que esta era uma oportunidade de novamente disputar aquela mesma cadeira. Com o apoio do líder conservador Simplício de Sousa Mendes, foi eleito para a Assembléia Geral Legislativa, em 1869.
Os reveses políticos o aguardavam novamente. Seu espírito de rebeldia e a intransigência de suas posições não lhe permitiram que, no desempenho do mandato, se acomodasse a situações que envolviam interesse político do partido e de seus correligionários. Sua fidelidade aos seus amigos levara-o ao sacrifício de ser preterido num segundo mandato. Reeleito em 1872, já agora com o apoio dos liberais, outro candidato, menos votado, obteve o apoio da Câmara dos Deputados. Coelho Rodrigues não desistiu. Em 1874 elegeu-se deputado provincial e novamente deputado geral em 1877. Não chegou a completar este mandato porque a Câmara foi dissolvida pelo Ministro Sinimbu, em 05 de janeiro de 1878. Então deixou a militância política para se dedicar ao Direito.
Mesmo com a dissolução da Câmara o nome de Coelho Rodrigues foi lembrado para elaborar o Projeto de Lei do Casamento Civil, convertido no Decreto n° 181, de 24 de janeiro de 1890. Com o grande prestígio de civilista que vinha desfrutando por longo período, a esse primeiro convite seguiu-se outro de maior responsabilidade: o de preparar o Projeto do Código Civil. Para a realização desse trabalho assinou contrato com o governo em 12 de julho de 1890, obrigando-se a apresenta-lo no prazo de três anos. Para isso teve de afastar-se de suas atividades políticas e profissionais, pois era advogado e consultor jurídico. Como se isso não bastasse a uma dedicação integral a essa ingente tarefa, deslocou-se para a Suíça, onde lhe seriam mais acessíveis as fontes que iria recorrer ao longo dos estudos e pesquisas. Por causa disso Coelho Rodrigues teve varias desavenças, sendo acusado até de copiar o Código Civil da Suíça. Já Senador pelo seu Estado, em 1895, propôs à mesa do Senado a nomeação de uma Comissão para o exame de dois textos: o do seu projeto e o projeto de Felício dos Santos, este apresentado em 1882. A Comissão optou pelo de Coelho Rodrigues a ser escolhido como base do Código Civil Brasileiro que será posto em execução, depois de revisto por uma comissão de jurisconsultos.
Ao estudo do Direito dedicava todo o seu tempo de professor e como fruto de sua dedicação levou a cabo a tradução, do latim, das “Institutas” de Justiniano, a única que se fez no Brasil.
O Direito para ele era uma ciência de princípios permanentes e variáveis, pois, ao mesmo tempo em que evoluía com a sociedade, era também produto da “razão natural” inerente a todos os homens e “observado do mesmo modo por todos os povos”.
Exerceu o magistério em Recife de 1871 a 1891, ano em que entrou em vigor a reforma Benjamin Constant. Por força dessa reforma foram jubilados cinco professores da Faculdade de direito, e entre eles, Coelho Rodrigues. Suas obras publicadas são alguns discursos proferidos, as Institutas de Justiniano, A Republica na América do Sul, o Projeto do Código Civil Brasileiro e Memoire sur l’union et la pacification de 1 Amérique Latine presenté au Congrés Universel de la Paix, de 1907.
Em 1912 estava na Suíça, quando, sentindo-se doente, apressou-se em voltar ao Brasil. A vida que fora para ele um combate permanente, haveria de findar-se em viagem. A morte não o surpreendeu em repouso. Acompanhou-o na travessia do Atlântico. Ao chegar de volta, à ilha de São Vicente, com a segurança de que pisava o solo pátrio, veio de súbito a falecer. Era 1° de abril de 1912. Tinha 66 anos de idade.
Como lema de sua vida tomara os célebres versos de Horácio:
“Carpe diem ,
quam minimum
crédula postero”.
“Aproveita o dia de hoje,
que o dia de amanhã é incerto”.
Aproveitou cada dia de sua vida como se fosse o último. E chegou ao último como se a jornada apenas começasse.
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