ALERP
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SAUDAÇÃO INICIAL
Pensei muitas vezes com faria esse discurso, pois os discursos, na sua maioria, são amontoados de frases de efeito, vazias de emoção, sentimentos; momentos que se transformam em longas horas entediantes. Decidi por não fazer discurso, pois me falta estilo. Quero apenas dirigir a vocês (meus confrades, familiares, amigos, companheiros de trabalho) alunos algumas palavras que, de uma coisa tenham certeza, não serão vazias de sentimentos e emoções, pois elas conterão a essência mais profunda da minha alma.
A minha vida tem sido marcada por sentimentos opositivos. No decorrer da minha existência tenho sofrido perdas, vivido imensas tristezas, decepções, injustiças... Os mais íntimos a mim conhecem bem esse lado sombrio dos meus dias. Mas para compensar as agruras da vida, Deus, que é pai (cujo dia será comemorado amanhã, por isso quero parabenizar a todos os pais aqui presentes), tem se utilizado de tantas pessoas maravilhosas para compensar o lado doído da minha vida como realizações, alegrias e prazeres inigualáveis. Registrarei como um grande momento da minha existência o dia de hoje, não por ter tomado posse na Cadeira de Nº 27 da Academia de Letras da Região de Picos – ALERP, mas por contar com a presença e a amizade de todos vocês.
Não me sinto envaidecida por passar a fazer parte da elite intelectual de Picos. Pelo contrário, acho que não sou digna de participar de tão seleto grupo, bem como me sinto, a partir de agora, com a enorme responsabilidade de contribuir para a preservação e crescimento da cultura picoense e o sucesso cada vez maior desta Casa. Esta cadeira 27 deveria ter sido ocupada por Ozildo Batista ou Vilebaldo, que são grandes poetas. No entanto, minha honra consiste em ocupar uma cadeira patroneada por um grande poeta: Lourenço Campos. Biografar Lourenço Campos se constitui uma tarefa extensa e, por conseguinte, inadequada para o momento, uma vez que já me comprometi com vocês de tentar não alongar minha fala. Mas neste momento não posso me furtar de prestar algumas informações sobre o nome que deve ser o destaque desta noite: Lourenço Campos.
Poderia falar da minha infância na Lagoa grande, da minha luta incansável nos meus quase trinta anos de magistério, de Machado de Assis (nosso acadêmico maior cujo ano de 2008 a ele está sendo dedicado), dos problemas do nosso país, mas prefiro falar um pouco de Lourenço Campos. Não falarei de mim porque não sou nada diante de tantos outros poetas e intelectuais que aqui se encontram. Não sou romancista, não sou poeta. Alguns, como Chaguinha, Fábio Gonçalves, Ozildo e Chico Miguel insistem em me chamar de crítica literária. Tenho muitas coisas escritas, mas quase nada publicado. Às vezes acho que nasci para ser poeta, pois coincidentemente nasci na mesma data em que nasceu o grande parnasiano Olavo Bilac. Por isso, até brinquei com esse fato, parodiando o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade:
Quando nasci em dezembro
na data de dezesseis,
um anjo daqueles bem clássicos
logo um pedido me fez:
_ Vai, menina, faz no mundo
o que Bilac não fez!
Mas as fêmeas no Nordeste
já nascem com outra sina.
Com treze, quatorze anos,
permanecendo menina,
_ Arranje um casamento!
É o que a elas se ensina.
Mas outro anjo maluco
daqueles que fazem besteira
entregou-me agulha e linha
pra ser uma bordadeira.
Não levei jeito pra coisa,
mas bordei uma bandeira.
Pedi ao anjo do céu
que trocasse o instrumento.
Deu-me uma enxada velha,
uma vaquinha e um jumento.
Disse: _ Seja fazendeira!
E se acaba o sofrimento.
Mas não quis ser fazendeira!
Quis foi aprender a ler.
Com sete anos de idade,
aprendi o ABC.
Com vinte fui professora,
transmissora do saber.
Mas eu não estava feliz
queria era ser poeta.
Pra ser igual a Bilac,
logo tracei uma meta.
Cursei Letras, "comi" livros,
mas enxergava outra seta.
Não queria ser Bilac.
Eu queria ser Bandeira.
A bandeira que eu bordei
e empunhei a vida inteira:
a bandeira da justiça
que é minha companheira.
Peço desculpas a Bilac
por seguir outro caminho.
É que poeta menor
que escreve devagarzinho,
estrofe, métrica, rima rara
só se consegue aos pouquinhos.
Nasci para ser Bilac;
(mas sempre quis ser Bandeira)
pra amar e ser amada;
não casar; ser companheira;
ser mulher e ter orgasmos.
Isso eu quero a vida inteira.
Não nasci pra ser estrela
que já nasce iluminando.
Nasci, sim, pra ser mulher
e passar a vida amando.
Desse jeito: apaixonada,
vou acabar me casando.
(Poemas das dez estrofes – 2003)
Quanto a ser poeta, vou continuar tentando. Mas, em relação ao casamento, meus amigos, não se preocupem! Eu não corro mais esse risco!
Mas vamos ao que interessa. Quem foi Lourenço Campos?
LOURENÇO AUGUSTO PEREIRA CAMPOS nasceu em Picos (PI) no dia 05 de agosto de 1913. Sua vocação literária surgiu aos doze anos, quando, segundo J. Miguel de Matos, iniciou-se no “doce e áspero caminho da poesia” com a quadrinha que intitulou de SAUDADE: “Vinho roxo despejado / Na taça do sentimento / retrato dependurado / no álbum do pensamento”. Casou-se duas vezes, tendo como primeira esposa Dona Lilá, uma das duas primeiras professoras diplomadas de Picos, com quem teve uma filha – Maria Inês. E como segunda esposa a Drª Nize Madeira Moura Campos, com quem teve sete filhos, dentre esses a poetisa Maria do Socorro Moura Campo.
Lourenço Campos passou maior parte de sua vida em Manaus, onde escreveu quase todos os seus poemas nos quais a saudade da terra natal teve papel de destaque, uma vez que todos são dosados de grande sentimentalismo.
Em Picos foi comerciante do ramo de livraria-papelaria e suplente de Juiz em Simplício Mendes, onde faleceu em 1º de março de 1973. Era conhecido na intimidade como Lourencinho e, segundo depoimento de Helvídio Nunes, Lourenço Campos “quase não falava – recitava versos que ia compondo” e não tolerava versos sem rima. Lourenço Campos foi repentista, poeta, beletrista e dramaturgo. Durante o tempo que morou em Picos, participou de todas as atividades cívico-religiosas e culturais. Criou, juntamente com todos os, na época, recém-formados de Picos _ Severo Maria Eulálio, Helvídio Nunes, Otílio Neiva Coelho, José Carlos Filho, Alberico Rocha - um grupo teatral conhecido como “Os doutores”, para o qual montou e dirigiu o elenco de uma peça intitulada “Advogados em Apuros”, levada ao público com aplausos nas cidades de Picos, Oeiras e Campo Sales (Ceará). Deixou poemas publicados em jornais de Manaus e de Picos e seu soneto “Minha Terra – Picos” foi incluído na Antologia de Sonetos Piauiense, de Felix Aires (1972). Em Picos – os verdes anos cinqüenta, Renato Duarte diz que, naquela época, Lourenço Campos era o poeta oficial de Picos.
Em artigo publicado na Revista CARNAÚBA, de 07 de maio de 1960, J. Miguel de Matos informa que Lourenço Campos publicaria ainda naquele ano um livro que teria o título “sugestivo” de PICOS. Em nota, encontramos a informação de que o poeta resolveu publicar logo CANTO DO NORDESTE – seu único livro publicado até agora. Em 1968, como informam seus filhos, ele mesmo organizou todo o formato do livro, que teve publicação póstuma em 2001 pela Universidade Estadual do Piauí e no qual foram incluídas uma “Apresentação”, de Dom Augusto Alves da Rocha – primeiro Bispo de Picos, e “Notas Biográficas” de Helvídio Nunes, seus amigos particulares. O livro é dividido em três partes, sendo a primeira parte “Sonetos”; a segunda nomeada “Poesias”; e a terceira, “Cantos do Nordeste – poemas em linguagem matuta”, que revelam o lado popular do poeta-repentista que foi Lourenço Campos. Durante muito tempo, Lourenço Campos foi considerado a primeira referência da poesia picoense. Mas, como a História da Literatura de Picos e região ainda está sendo contada, hoje, sabemos que, bem antes dele, tivemos outro grande poeta: Alberto de Deus Nunes cuja obra - Manifestações Poéticas - só foi levada a público por sua família no final de 2006. No entanto isso não tira o brilho e a importância daquele que, segundo Helvídio Nunes, foi o “maior poeta picoense”.
Mas, senhor presidente, companheiros acadêmicos, senhores, senhoras, permitam-me dirigir também algumas palavras a nossa sociedade, embora sejam palavras aos peixes, como o Sermão de Vieira, de quem está sendo comemorados 400 anos do seu nascimento. Como educadora, acreditamos convictamente e defendemos que o Brasil só galgará as escadas de um país desenvolvido, quando as pessoas puderem viver dignamente e quando investirmos mais em pelos menos três setores imprescindíveis na vida de qualquer cidadão: saúde, educação e cultura.
Na tentativa de me redimir do meu pecado maior: essa fala tão longa e enfadonha, passo agora aos agradecimentos, indispensáveis neste momento. Agradeço em primeiro lugar a Deus por ter me dado o dom da inteligência e do discernimento; a essa Casa por me receber de braços abertos; ao meu amigo Francisco das Chagas Sousa, Chaguinha, pela amizade e confiança a mim dedicadas. A meus amigos e familiares (minha mãe Ducéu, meus irmãos: Kyndow, Hilda, Zé Filho, Chiquinho, Negão, João, Maria, Francinha, Nelita e Mário, meus cunhados e cunhadas e meus sobrinhos e sobrinhas) agradeço pelo apoio em todos os momentos de minha vida. E a todos que nos honram com sua presença nesta noite (companheiros de trabalho e alunos do Colégio Santa Rita, da Faculdade Evangélica Cristo Rei e da Escola Normal Oficial de Picos – minha escola do coração), serei também eternamente grata.
Quero dedicar a glória desta noite e essa realização em minha vida a meu pai - José Marques de Sousa – que sempre foi meu admirador e, com certeza, está muito feliz nesta hora.
Para encerrar os meus agradecimentos, recorro ao poema que Manuel Bandeira escreveu para Rachel de Queiroz, onde, depois de enaltecer a “Grande Dama do Sertão” e sua obra, ele conclui: “Mas chega de louvação, / porque por mais que a louvemos, / nunca a louvaremos bem./ Em nome do Pai, do Filho e / do Espírito Santo, amém.”. Faço minhas as palavras do poeta, neste momento. Por mais que eu agradecesse, nunca agradeceria bem... Por isso, uma apaixonada pela Literatura, falando para alguns também apaixonados, não poderia terminar de forma diferente. Concluo, parafraseando novamente alguns dos mais lindos versos do nosso poeta maior: “Não./ Meu coração não é maior que o mundo. / Nele não cabe nem meus agradecimentos”.
Muitíssimo obrigada!
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