ALERP
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Acadêmicos e acadêmicas desta egrégia casa;
Minhas filhas, Bianca e Isabela, e demais familiares;
Amigos e amigas;
Senhores, senhoras, senhoritas
É com imensa alegria e gratidão que me apresento nesta honrosa instituição para tomar assento na Cadeira 23, anteriormente ocupada por Antônio Gomes de Sousa (Jurdan) e tendo como patrono Absolon de Deus Nunes. E, como tradição e por serem merecedores dessa homenagem, discorrerei brevemente sobre esses estimados imortais.
Absolon nasceu em 11 de fevereiro de 1914, em Lagoa Grande, município de Picos, Piauí. Filho de Manoel Antônio de Deus Nunes e de Auta Luiza de Sousa Nunes, era o quarto dos cinco filhos do casal. Muito cedo, aos 2 anos de idade, ficou órfão de mãe.
Foi esposo fiel, pai presente, sogro respeitoso, avô coruja e homem brincalhão. Sabia ser rigoroso quando a situação exigia, mas era todo de paciência e amabilidade com sua família.
De espírito sequioso pelo saber, já na sua maturidade, casado e pai, tornou-se técnico em contabilidade. Desempenhou várias atividades: comerciante, comerciário, delegado de polícia, promotor público, diretor de jornal, político (vereador por quatro legislaturas, sendo que em duas destas, presidente da Câmara Municipal de Picos); professor de ensino médio, auxiliar de agente tributário, subdiretor da Secretaria Estadual de Fazenda, membro fundador da Academia de Letras da Região de Picos e da Associação Comercial desta cidade.
Como poeta, Absolon cantou o amor em versos que se perpetuarão no livro "POESIAS DO CORAÇÃO". Foi o primeiro ocupante da Cadeira 12 da ALERP e teve como patrono o ilustre picoense Dr. José de Deus Barros – jurista, advogado de renome, professor, promotor público, considerado pela sua cultura e elevado saber jurídico o orgulho do Ministério Público picoense.
Antônio Gomes de Sousa nasceu em Fronteiras (Piauí), no dia 9 de outubro de 1955; filho de Antônio Gomes e de Higina Rodrigues Gomes.
Estudou nos colégios Benjamin Batista e Escola Nossa Senhora de Fátima, em Fronteiras, e no Centro Educacional 29 de Junho, em Campos Sales (Ceará).
Foi radialista, escritor, poeta, cantor, compositor e político. Eleito duas vezes prefeito de Belém do Piauí.
Trabalhou na rádio Cidade, em Campos Sales; contribuiu para a fundação da Rádio Boa Esperança, em Padre Marcos e também da Rádio Vale do Coroatá, em Elesbão Veloso. Trabalhou em Jaicós, na Rádio Canta Galo. Apresentou o programa Oitão da Casa Grande, na TV Educativa-PI.
Iniciou sua produção musical em 1980 com um compacto duplo. Foi a música "A Volta do Jerico" que o projetou no cenário artístico. No ano de 2000, lançou o CD "Afogados no Desespero"; e em 2002, "É Difícil Ser Perfeito". Gravou um documentário com Patativa do Assaré; entre outros trabalhos, Fome Zero, Cartas Versadas, Tributo a Fronteiras, As Coisas da Minha Terra, História do Meu Sertão.
Jurdan, como ficou conhecido, tem mais de quinhentas poesias distribuídas em livros: Espinho na Garganta (1983), ldioma de Caboclo (1984), Nas Margens do Coroatá (1990), O Morto Vivo (1991), Pausada dos Marmeleiros (1998), Fronteiras Ontem (2003), Cantador do Sertão (2003).
Tomou posse na ALERP no dia 7 de fevereiro de 2004.
Como podem ter notado, não se falou da partida de ambos os homenageados, pois viverão para sempre: na descendência familiar, nas colunas desta academia e na difusão eterna da arte.
Queridos convidados e convidadas,
Quero agradecer a vocês, que, mesmo ante suas ocupações e a pandemia ainda persistente, dedicaram parte de seu tempo para prestigiar a mim e a Academia de Letras da Região de Picos.
Agradeço aos acadêmicos não só a presença, mas a honraria que me concederam ao me eleger membro da ALERP;
Ao presidente Francisco de Assis, pela condução imparcial do certame e pela diligência na realização deste evento.
Obrigado a todos e a todas!
Eis-me aqui, neste dia, 29 de junho de 2022, para, como galardão e com humildade e compromisso, ocupar a Cadeira que acomodou distintas personalidades da literatura picoense.
Para mim, posição até muito cômoda, já que, comigo, nada se inicia: apenas continua. Assim como na intertextualidade – criação de um texto a partir de outro existente –, não sou a origem das letras nem desta instituição, mas apenas um capítulo de uma história que começou bem antes de mim e que persistirá muito além de minha morte.
A mim, amigos e amigas, apenas me cabe este momento, e eu o saúdo com versos de Cecília Meireles:
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.
Sou um dos nove filhos de uma agricultora e de um pedreiro. Meu pai – José Acelino da Silva, um homem pacífico – foi acometido de tuberculose, feneceu por complicações cardíacas e nos deixou muito cedo. Minha mãe – Maria Ostanila Pereira da Silva, uma guerreira –, devido às estiagens frequentes, criou-nos com lavagens de roupa e sobras de comida de cozinhas alheias onde fazia trabalhos eventuais. Sempre trabalhei, mesmo ante a escassez de serviços: agricultura, posto telefônico (mensageiro) e o que aparecia. Contudo sempre frequentei a escola. Conclui o primeiro grau em Simões (Piauí) e o Ensino Médio e Faculdade de Letras em Araripina (Pernambuco), para onde fui à procura de emprego aos 14 anos de idade. Aos 16, fui para São Paulo em busca de oportunidades, mas retornei depois de um ano. De volta ao Nordeste, concluí o curso de Letras, tornei-me professor e cursei Direito. Na adolescência, descobri-me escritor. As primeiras poesias eram byronianas devido a vida difícil e desalentadora que eu levava. Tinha sede de leitura, sede de conhecimento; porém a fome, não obstante o trabalho, ainda era presente em minha vida. Fome não só de comida: de incentivo, de auxilio, de companhia, de proteção.
A despeito de minha fome de conhecimento, fui, obrigatoriamente, muito mais trabalhador do que leitor.
Portanto ainda me falta finalizar a leitura dos clássicos da literatura mundial; falta-me conhecer de certos autores das literaturas portuguesa e brasileira; também me falta investigar a fundo toda a obra da literatura piauiense e da picoense. A mim me falta mais de 90% do caminho para ser completo. No entanto nunca me faltou vontade de ler nem motivação para escrever. Embora não tivesse recursos para comprar um único livro, nos primeiros anos de escola eu li – por empréstimo de uma professora chamada Raimunda, na Unidade Escolar Sílvia Coutinho, em Simões – as aventuras da Coleção Vaga-lume, da Editora Ática. Os livros me arrebatavam da miséria e causavam alivio ao sofrimento que a infância paupérrima me infligia. Ler era como uma dose alta de vitamina – era alimentar o espirito, uma vez que o corpo estava sempre malnutrido.
Minha história não é diferente das contadas, por exemplo, por Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto, em O Quinze, Vidas Secas e Morte e Vida Severina, respectivamente. Sou só mais um sertanejo que não tinha nada, quis tudo e obteve um bocado.
Se hoje me falta um pedaço, é por não ter a presença física de minha mãe, a quem canto agora o POEMA INCOMPLETO:
Porque parte de mim só vive
porque o tão intenso tormento da outra
não me deixar adormecer.
E se tantas mortes morri em vida,
a tua ida foi a que mais me findou.
Viver sem ti é dor lancinante,
é saudade aflitiva,
é lamento mais pungente
que um enfermo pode ter.
E não há o que cause alívio
à angústia excruciante,
pois tudo o que me excede:
prazer, dinheiro, comida;
e tudo o que me falta
– alegria, status, vida –
me faz lembrar de ti.
Eras minha algibeira de sonhos,
meu canto de esperança,
criança de quem o sorriso eu era,
caixa de brinquedo... minha bonança.
E nada que eu faça,
e nem as maiores riquezas
me trarão a paz
que tua ausência causa.
Que o tempo me traga a sorte!
pois o tesouro que perdi em vida, mãe,
só terei agora em morte.
Confesso que, quando criança, não tinha perspectivas. Minha única ambição era saciar minha fome, e a escola era para mim e tantas outras pessoas um meio para comer.
Ainda assim eu sou grato... Apesar da solidão no percurso, busquei aos amigos e familiares, e eis que aqui estão, a meu lado, nesta ocasião insigne; apesar da mentira das pessoas, nunca abri mão da verdade; apesar das injustiças que sofri, jamais deixei de ser justo; apesar da crescente hostilidade entre os homens, não abandonei a persecução da paz; apesar de tantos infortúnios e incalculáveis perdas, sempre cantei a vida.
Talvez essa esperança contida nas antíteses seja o que Machado de Assis descreveu de maneira singela em Memórias Póstumas de Brás Cubas:
"Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar".
Na última estrofe de Lembranças de morrer, declama Álvares de Azevedo:
"Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta – sonhou – e amou na vida."
Certamente estarei solitário na morte, contudo não mais na floresta esquecida,
pois minha obra, esta academia e vocês farão eternos o escritor e o homem que sou.
Muito obrigado!
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