ALERP
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Senhor Presidente, senhores acadêmicos, familiares e demais amigos, O eminente professor José de Arimathéa Tito Filho, sob cuja égide a cadeira 19 desta Casa foi instituída, representa, a nosso ver, aquele nome que, mercê de sua grandeza, extrapola os limites da vida temporal para expandir-se na posteridade. Ocupar a cadeira que o tem como patrono é uma dupla conquista que honra e realiza. Com a escolha de seu nome, a ALERP efetua uma indicação de sabedoria inconteste e, ao fazê-lo, eleva um preito de reconhecimento e justiça à maior expressão que as letras piauienses já consignaram em toda a sua história.
Iniciou sua inigualável jornada na terra piauiense, no dia 27 de outubro de 1924, data de seu nascimento, tendo a cidade de Barras como berço e ponto de partida. Filho do desembargador José de Arimathéa Tito e Sra. Nice Rego Tito, deixou sete filhos de dois matrimônios e, como viúva, A Sra. Delci Maria Ribeiro Matos Tito. Concluiu, em 1950,no Piauí, o bacharelado em Direito, após havê-lo cursado no Rio de Janeiro durante quatro anos. Exerceu inúmeros cargos relevantes no poder público piauiense, entre os quais Secretário de Educação e Secretário de Cultura. Publicou vasta obra literária e jornalística, impôs-se como orador brilhante e líder carismático. Foi um construtor da cultura deste Estado e escreveu o marco culminante de sua trajetória profissional como Presidente da Academia Piauiense de Letras, cargo que desempenhou, com abnegação missionária, de 1971 até o dia 23 de junho de 1992, data de seu falecimento, em Teresina..
Biografar fielmente o Professor Arimathéa Tito Filho constitui tarefa por demais extensa e, por conseguinte, inexeqüível no exíguo espaço que esta oração nos permite. Limitamo-nos, pois, aqui, a algumas referências incompletas de seu perfil, arrematando, contudo, que Tito Filho não é um nome notabilizado pela cultura piauiense. Mas, ao contrário, ele encarna uma personalidade de estatura rara que a Providência alinhou às letras deste Estado, com a missão de erguê-las e consagrá-las.
Senhores acadêmicos,
Os caminhos do nosso destino - que registram tantas "curvas" descritas e algumas outras escritas - conduzem-nos hoje ao seio desta nobre família a que já pertencíamos de fato, pelo coração, e a que nos somamos, de direito, a partir de agora. Estamos adentrando esta Casa sob aquele embaraço próprio dos recém-chegados. Vivenciamos, de certa forma, aquele impacto com que os holofotes de cenários similares costumam acometer as visões, como a nossa, desabituadas às pompas e à ribalta. Predomina em nós, entretanto, uma gama de outros sentimentos. Paralelamente à alegria de podermos, doravante, integrar este núcleo seleto que tão fraternalmente nos acolhe, pesa-nos, sobremaneira, a transcendência do compromisso que tal fato representa. Um compromisso que tem entre seus corolários a responsabilidade de sempre dignificar o nome emblemático de um patrono a quem a cultura piauiense deve, por justiça, reverências eternas.
Ousaríamos propor, a título de saudação inicial - se propor fosse lógico aos neófitos - que os discursos de posse nas academias de letras, artes e ciências substituíssem-se por juramentos. Assim sói acontecer naqueles instantes graves em que os homens assumem pactos solenes para com o universo social que integram ou a que passam a pertencer. É que o voto de distinção com que vós, gentil e soberanamente, nos contemplastes e com que fizestes corar nossa modéstia, além do sabor adicional de vir emanado da elite culta de uma terra a que estamos vinculado por laços inquebrantáveis, traduz-se-nos, na verdade, na senha de uma incumbência que primaremos sempre por merecer e cumprir.
Senhores acadêmicos, esse ato de delegação transcende os limites do aqui e agora. Ele nos faz remontar àquele jogo da vida de cada um de nós, em que nos vemos sempre no epicentro da batalha cotidiana, travada entre "o feijão e o sonho". Aludimos à férrea disputa pela preferência entre um coração que se obstina em traduzir as manifestações mais profundas da alma; em oposição a um estômago imediatista, que não se envergonha em, literalmente, triturar as melhores energias nossas de cada momento.
No campo de nosso jogo pessoal, tivemos que ceder, na maior parte do tempo, ao império de um estômago exclusivista e déspota que sempre conseguiu impor suas regras, dominou, impiedoso, nossa zona de raciocínio, e, mesmo não sendo um craque criativo, interceptou quase todos as tentativas de avanço do concorrente. E, por isso mesmo, nestes anos todos, vem ganhando a competição de goleada.
Mas, senhores acadêmicos, a cadeira que hoje vós nos franqueais nesta Casa tem outra perspectiva especial. Ela nos enseja perceber que aquele coração-passarinho que, preso na gaiola de suas limitações, ousou cometer o "pecado" do canto - apesar do escuro - em oportunidades como esta, folga, presunçoso e triunfante, acreditando-se afinal justificado por haver insistido em existir.
E para absolvição daqueles que, como nós, sempre repeliram a idéia de que nossas razões de viver começam e terminam do abdome para baixo, pregou um dia o mestre Platão. "O homem é uma cabeça que recebeu do Senhor da vida uns membros e um organismo para poder transportar-se de um lugar para outro." Expressava o discípulo exponencial da doutrina socrática, em moldes bem-humorados, que nosso cérebro é analogamente uma cabine de comando dirigindo as turbinas de uma gigantesca nave - nossa mente-alma. E essa criatura - transcendental e eterna - na integridade de seus atributos, é, potencialmente, em essência, a imagem e semelhança do Criador.
E, ao abrigo de assertivas como esta, não logramos duvidar que todas as faculdades humanas, entre as quais se inserem os dons de pintar, compor e escrever, têm na inteligência divina a mesma origem. Passam necessariamente pela lapidação do trabalho perseverante e consagram como fim único e verdadeiro o bem coletivo. Qualquer injunção contrária a esse destino constitui desvio de rota, degenera em personalismo pernicioso e asfixia sua razão maior de ser.
Socorre-nos, nessa reflexão, uma centelha do pensamento legada pelo filósofo Tales de Mileto. "O homem é tanto melhor e, por conseguinte, mais feliz, quanto maior for sua capacidade de mergulhar dentro de si próprio. Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses." Esses deuses a que o sábio se reporta representam os poderes imensuráveis, imanentes a cada um de nós. E esse universo de suas referências, e que revela a patente inconfundível de uma arquitetura superior, rege-se por leis naturais, inderrogáveis, a despeito do que admitam nossas vãs filosofias. Foi, aliás, sob a luz de tal conhecimento, que um dia o mestre Pitágoras - possivelmente enlevado ante a descoberta de um novo teorema - sentencia: "Deus geometrizou".
Caros confrades, permiti-nos situar neste contexto o papel das agremiações acadêmicas e, portanto, dos membros como seus componentes intrínsecos e naturais. Invocamos, a propósito, a figura geométrica dos círculos concêntricos, em que percebemos uma representação analógica das academias como um círculo menor, ou um sub-sistema, a serviço de um sistema maior - a sociedade. Os benefícios culturais transmitidos a essa sociedade-alvo, mercê de um processo cientificamente denominado RETROALIMENTAÇÃO, retornam para seus núcleos criadores em forma de agradecimento e estímulos. Essa recompensa, embora abstrata, converte-se ali em energias construtivas, que, recicladas e potencializadas, são remetidas de volta àquele mesmo meio social de seu destino. Estabelece-se assim um movimento cíclico e contínuo em que os sistemas menor e maior alimentam-se reciprocamente e crescem, por conseqüência, em conjunto, numa progressão cujo enésimo termo é o infinito.
No entanto, para que essa operação aritmética revele seu produto no âmbito de uma academia, como, de resto, nos demais núcleos do pensamento humano, é imperioso que indivíduos e egos admitam recolher-se à sua expressão mais simples, para que o conjunto floresça como um todo em beneficio das partes. Servimo-nos, a propósito, do silogismo para esposar a assertiva de que se uma família progride como grupo, seus membros crescem como indivíduos e vice-versa. Qualquer força que ouse desarticular esse sincronismo condenará fatalmente a organização a assistir a seus nobres objetivos pulverizarem-se nos labirintos das competições personalísticas. Restando-lhe, no fim do túnel, lastimar os escombros de mais um projeto grandioso, abortado pelas vaidades humanas. Aliás, esse sentimento inferior ,cujo único mérito é desnudar uma área desorganizada de nossa personalidade, tem prestado, ao longo dos séculos, sua contribuição predatória contra a marcha evolutiva do planeta que nos abençoa e nos abriga.
Mas, senhor presidente, senhores acadêmicos, entusiasma-nos sobremaneira integrar esta Casa que hoje nos franqueia um de seus assentos. Não temos motivos para descrer em sua disposição de pensar. Pois a ALERP, em oportunidades pretéritas, a exemplo de outras agremiações do gênero, ofereceu mostras cabais de que sabe postar-se num plano além das honrarias inúteis. Aqui se sabe que as academias não são ilhas nem vitrines dentro das sociedades. É pela interação permanente dessas duas esferas que o escritor, enfim, o artista deve dobrar todos os sinos de sua arte. Pois a arte bem compreendida é autêntica expressão de amor universal.
Senhores acadêmicos, senhores convidados, "Sons, palavras são navalhas" - assim pintou o poeta Belchior. Mas essas armas mágicas conduzem uma química divina e - quando sabiamente manipuladas - têm a força para combater as dores do mundo, injetando bálsamo e projetando luz.
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