DISCURSO DE POSSE – ALERP – 21/01/2023
Boa noite, gente!
Excelentíssimo Senhor presidente da ALERP, poeta, cronista e professor Francisco de Assis Sousa, em nome de quem saúdo a todos aqui presentes, confrades, confreiras, amigos e familiares.
Como dizia o poeta Patativa do Assaré: “tenham paciência porque essa prosa vai ser grande!”
Não sei nem expressar o tamanho da minha alegria por estar aqui nesta Casa Guardiã da Cultura da cidade de Picos para tomar posse da cadeira nº 28, na sucessão do saudoso acadêmico escritor, poeta e compositor Francisco das Chagas Bezerra Rodrigues (Chico de Júlio), tendo como patrono Francisco de Moura Barbosa (poeta Chico Barbosa). Peço a São Francisco a divina inspiração para falar desses 2 Franciscos que deixaram um grande legado cultural e uma longa trajetória de vida. Sou muito grata aos 13 acadêmicos que me escolheram para fazer parte desta família literária.
I
A Academia de Letras da Região de Picos, fundada em 22 de outubro de 1989, tem como Patrono da sua Cadeira nº 28 o senhor Francisco de Moura Barbosa, o POETA CHICO BABOSA. Ele ajudou na fundação da ALERP e foi o primeiro ocupante da Cadeira nº 13.
Chico Barbosa foi um defensor da literatura picoense. Publicou três livros: “Perdi meu Tempo”, “Tempo sem Tempo” e “Reminiscências” mostrando não apenas o seu lado poético, mas a sua trajetória de vida em versos e em prosa.
Ele só teve 3 meses de aula particular e ainda se apaixonou pela professora. Nas noites enluaradas, ele fazia serenatas para aquela paixão que ele julgava impossível. Muito cedo tornou-se um bom seresteiro. Tinha pela música um grande fascínio. Lá em Cabeço, hoje Dom Expedito Lopes, Chico Barbosa se tornou um líder do povo. Certa vez chegou um Circo naquela localidade... o palhaço era a maior atração; mas, chegado o dia da estreia, o palhaço adoeceu. Para não decepcionar o seu povo, ele se vestiu e fez o papel do palhaço tão esperado.
A sua vida sempre passou por constantes mudanças, mas Chico Barbosa não desanimava. Ele queria construir o mundo a sua volta! Era um empreendedor de ideias, de fato, ele foi lavrador, vaqueiro, caçador, tropeiro, agiota, corretor, comerciante, fabricante de cachaça, chefe político, agropecuarista e tudo mais um pouco. Na frente de tudo, um grande poeta! Na visão do nosso confrade, pesquisador e professor Naziozênio Lacerda: “Chico Barbosa tinha um domínio natural e absoluto da linguagem nordestina. Um grande escritor regionalista.”
Quando as pessoas pensavam que ele estava em decadência, ele estava se reinventando. Tinha a mania de comprar aquilo que ninguém queria. Passou a investir em imóveis. Quase se tornou dono do Bairro Boa Sorte.
Embora focado em seus empreendimentos, ele tinha uma grande preocupação com a Cultura, e assim, criou um programa radiofônico na Rádio “Luar do Sertão”, com o título: “Dois amigos e um violão”, para recordar as velhas serenatas. Com a chegada da Rádio Difusora de Picos, acabou de vez com a pobre “Luar do Sertão”.
Chico Barbosa se caracteriza pela versatilidade na sua trajetória de vida. Era obstinado pelo trabalho, dedicado pai de família, íntegro e cumpridor dos seus deveres e obrigações. Deu uma boa formação para todos os seus filhos
São várias homenagens a este ilustre picoense, que além de ser patrono da Cadeira nº 28 da ALERP, hoje no Bairro Boa Sorte, há a rua Poeta Chico Barbosa e a Unidade Escolar Francisco de Moura Barbosa.
Era um homem de grandes amigos, dentre eles estava o escritor conterrâneo Fontes Ibiapina, quem muito contribuiu para a publicação de seus livros.
A escrita de Chico Barbosa é tecida com a forte presença de causos e ditos populares. Ele foi um verdadeiro compositor da vida, um apaixonado pelas canções brasileiras. Na velhice sentiu o peso da solidão e pedia sempre a Deus para conservar as suas lembranças. Partiu aos 87 anos, no dia 28 de abril de 2005.
Li seus 3 livros e já fiz o roteiro para fazer um cordel sobre a sua trajetória de vida, com as peculiaridades de um homem romântico e contador de causos.
Poema: CASA QUE FALA
Casinha, minha casinha,
que fizeram de tua estrada?
Tudo que deixei aqui,
já não existe mais nada.
Vives nesta solidão
como uma desprezada.
No tempo que em ti morei,
tu não tiveste goteiras,
tinhas ricos pés de árvores,
belos pés de pitombeiras.
Até a fonte secou,
morreu o pé de mangueira.
E ela me respondeu:
- “Eu sou uma infeliz,
vocês não compreenderam
os benefícios que fiz.
Desprezaram por outra,
nem por eu ser a matriz.
Vivo hoje no abandono,
me encontrei com a má vizinha:
Esta tal de jetirana,
que me cobriu a cozinha.
Tenho sentido muita falta
daquela Dona Mocinha.
Se olho para a frente,
não vejo mais o terreiro,
acabou-se aquela sombra
do pezinho de cajueiro.
Até por último morreu
o meu amigo coqueiro”.
Casinha, minha casinha,
diga também por favor:
Por que que é que você fala,
que outra nunca falou?
“É porque não tem desprezo,
ou por outra não tem amor”.
Casinha, minha casinha,
me perdoe por caridade,
eu que sou um dos teus donos
e te fiz a falsidade,
te deixando aqui na roça
para morar na cidade.
“Fui tudo na vida, hoje sou um sonhador”. Chico Barbosa
Quem não tem uma casinha de interior na lembrança!?
O que a minha casinha, lá da Intãs, município de Pio IX, tem para me dizer?
Porque ela tem resistido ao tempo, e eu tenho muitas coisas para falar com ela!
II
A cadeira nº 28 teve como primeiro ocupante o acadêmico escritor, poeta e compositor Francisco das Chagas Bezerra Rodrigues (Chico de Júlio), um homem político por natureza, natural de Cajazeiras-PB.
É perceptível ao longo da sua escrita o quanto ele gostava de Picos, sua terrinha amada. Mas na década de 80 adotou como sua terra a cidade de Riachão, no Maranhão. Lá ele era Chico Atalaia. Tinha uma forte personalidade, às vezes era teimoso. Uma pessoa muito solícita.
Chico de Júlio foi político, empresário, radialista, romancista, compositor e poeta. Como político exerceu vários cargos eletivos e administrativos. Foi vereador, vice-prefeito e prefeito daqui de Picos. Lá em Riachão-MA foi vereador, depois prefeito em duas legislaturas, além de deputado estadual do Maranhão. Tinha uma oratória perfeita!
Publicou 3 livros: Noturno (poemas), Desse jeito (contos) e Tião de Tresidela (romance).
Chico de Júlio ganhou vários prêmios, vários títulos de cidadão, no Piauí, no Maranhão e no Tocantins. Em 2001, foi diplomado entre os melhores prefeitos do Brasil.
Chico de Júlio gostava de usar uma frase de Jefferson Davis: “Não seja arrogante com os humildes, nem humilde com os arrogantes.” Partiu aos 80 anos, no dia 03 de outubro de 2020.
A VIDA
A vida é o tribunal mais perfeito
Pois não aceita nenhum preconceito
E a todo dá o mesmo valor
Não vale o dinheiro que garante
Que paga o mais caro transplante
Do coração que o preto doou
Coração que parou no asfalto
Coração do homem descalço
Que lutava com todo ardor
Coração do pobre espoliado
E que foi enfim transplantado
Para o peito de um rico senhor
A vida é o tribunal mais perfeito
Não admite negociar o direito
De leiloar a existência qualquer
Morre o branco, morre também o mulato,
Todos partem sem recurso no momento exato
E a vida continua no seu mesmo vigor.
III
Segundo Vergílio Ferreira, “cultura não é somente o armazenar de conhecimento, mas a capacidade de interrogarmos nosso tempo”. Efetivamente, o tempo tem um ritmo marcado pela subjetividade, e pensar nas ações culturais como bem-estar social nos proporciona uma interação do eu com o outro e com o mundo contemporâneo.
Sou graduada em Letras-Português e Inglês, com especialização em Comunicação e Cultura, Ensino e Literatura Brasileira. Fui docente por mais de 30 anos, contando com a experiência no Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino Superior.
Nasci num sítio chamado Intãs, pertencente à cidade Pio IX, onde meu avô foi Juiz de Paz. Mas escolhi Fronteiras como a minha cidade quando fiz o meu registro de nascimento aos 18 anos, porque foi lá que brinquei de roda, aprendi a dançar forró, a andar de bicicleta e a tecer os meus primeiros versos.
Sou de um tempo que não tinha escolas, nem livros e nem HQs, havia apenas folheto de cordel. Minha mãe, com o dinheiro do algodão, contratava um professor leigo para dar aulas de português e matemática. A minha mãe (costureira), ela ficava lá na sua máquina e eu ao seu lado querendo decifrar as palavras. Enquanto ela costurava aqueles vestidos estampados e coloridos, eu estava ali a costurar as minhas primeiras palavras em folhetos de cordel. Foi na leitura de cordel que viajei o mundo e conheci várias culturas através dos contos de Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Rezende, Martins de Ataíde, como também tive o contato muito cedo com os clássicos da literatura brasileira em versos de cordel, por exemplo, Iracema, de Alfredo Pessoa de Lima. Sempre li pelo prazer de conhecer.
O tempo foi passando, me casei e fui embora pra Maceió. Tive 3 filhos. Em Maceió morei 13 anos. Lá fiz muitas conquistas, publiquei o meu primeiro livro de poemas TUDO É UM MOMENTO, mas tive que deixar tudo para trás. Voltei para o Piauí com os meus filhos. Passei uma temporada em minha cidade. Depois fui pra Teresina, onde moramos por 13 anos. Muitas vezes tive que vender folhetos de cordel nas feiras culturais para ter o dinheiro do pão. Os meus filhos se formaram, passaram num concurso, cada um em lugar diferente. Escolhi morar na cidade de Picos e quando me perguntam o que estou fazendo aqui, respondo: estou a ouvir o canto do Tetéu.
Tenho 11 títulos publicados no formato de folhetos de cordel, além de um projeto para a publicação de um livro com todas as minhas narrativas de cordel. Estou fazendo um conto de fadas que tem como título “A Princesa do Reino das Abelhas”, o qual será publicado no formado de livro. Como resultado de todo o meu trabalho, em 2022, também fui eleita para a Academia Brasileira da Literatura de Cordel (ABLC), cadeira 23. Tomarei posse ainda em 2023.
Picos é uma terra de pessoas acolhedoras. Sou muito grata pelos 3 títulos conquistados como reconhecimento das minhas atividades literárias: Mulher Vitoriosa (Carreira Vitoriosa), Mulher Extraordinária (Secretaria de Cultura) e Mulher Pérola (ALERP).
É perceptível que o nosso universo criativo é fabuloso e permeia por vários gêneros textuais, do popular ao erudito. Certamente, é através da arte literária que eu encontro a maior expressão de sentimento e posso afirmar que vivo para a arte de tecer palavras, versos e criar personagens. O cordel é ainda o meu porta-voz, minha forma de defender as causas sociais, as temáticas femininas, trabalhar as memórias afetivas, valorizar espaços e viajar pelos lugares imaginários com a poesia da Vida.
As inquietações que o mundo literário provoca fez-me almejar uma Cadeira na Academia de Letras da Região de Picos (ALERP) a fim de seguir com alguns propósitos, como: integrar, contribuir e conviver para o nosso cotidiano literário.
Ou seja, integrar às atividades culturais da ALERP na cidade de Picos e Região, podendo assim, dar a minha contribuição como autora e participar ativamente do processo de produção literária. Além de levar a minha experiência entusiástica com a Literatura de Cordel às escolas, bem como estimular novas produções literárias no âmbito educacional. Espero, então que, fazendo parte desta família literária ALERPIANA, tenhamos uma convivência boa com a troca de experiência e compromisso, já que fazer literatura não é um ato solitário. Como diz o conhecido adágio: ninguém é feliz sozinho.
Portanto, sinto-me muito feliz por estar aqui compartilhando com todos vocês o que mais gosto de fazer: poesia! Prometo que darei a minha contribuição coroada de poesia, com as minhas interrogações ao Tempo por meio dos meus poemas e das minhas narrativas de cordel.
Teço-me
Na poesia de Cora Coralina aprendi
Que as dificuldades são superadas
Com a tessitura das palavras.
Nas palavras de Clarice Lispector descobri
Que a superação transforma as pessoas
E nascem as personagens.
Nas narrativas de Graciliano Ramos percebi
Que as personagens
São partes de nós mesmos.
Na dramaturgia de Ariano Suassuna vi
Que os conflitos são recriados
Por meio da arte.
Na ficção de Rachel de Queiroz senti
Que a fé preenche o vazio que existe
Dentro de cada um.
Não tenho a força de Anita Garibaldi
A coragem de Ana Nery
Nem a ousadia de Olga.
Tenho dentro de mim
Persistência e determinação
Desfaço-me e teço-me.
***
A VIDA
Acredito que a vida
Pode de sonhos ser feita
Mesmo mudando de rumo
Na sua estrada imperfeita
Ter FÉ faz-se necessário
Mas não sei qual a receita!
Muitos sofrem de transtornos
Vendo a vida sem sentido
Questionando a existência
De um mundo desiludido
A vida tem seus percalços
Mas nem tudo está perdido!
Simplesmente se começa
E assim tudo vai andando
Se sentir vontade, grite!
Seja forte no comando
A vida pode ser dura
Mas só se vence lutando!
***
Porque a vida é feita de escolhas!
ESCOLHAS
A vida feita de escolhas
É meio laboriosa
No perfil d’uma mulher
Sempre existe uma prosa
Repleta de vocação
Por ser sábia e virtuosa.
Em qualquer escolha feita
No ofício que acarreta
Numa árdua trajetória
Ao defender sua meta
Faça o bem todos os dias
E seja um grande profeta!
O tempo é transitório
Flui no decorrer dos anos
E deixando para trás
Tantos sonhos, tantos planos
Pois a vida exige pressa
Em seus contornos humanos!
***
Para Lya Luft Viver é transgredir.
Já Torquato Neto partiu
ao desafinar o coro dos contentes.
E eu aprendi muito cedo que
TUDO É UM MOMENTO!
Obrigada!
Maria Ilza Bezerra Sousa